Durante nossas discussões, soube que Jack
cria que Jesus de Nazaré era o Messias. Ele dizia que Jesus veio em
cumprimento às profecias bíblicas concernentes ao Messias. Jack estava
convicto de que não havia diferença de crenças básicas entre os
adventistas do sétimo dia e os ensinamentos mais fundamentais dos
judeus.
As convicções de Jack me perturbaram.
Poderia ser que aquela mensagem que Jesus ensinara era realmente o
cumprimento das promessas feitas por Moisés aos nossos antepassados? No
início, esse pensamento causava-me repulsa. Eu estava preocupado, pois
isso significava que aceitar a Jesus como o prometido Messias dos
profetas era confessar que o judaísmo bíblico e o cristianismo primitivo
eram, em realidade, uma só fé.
"Ouve, Israel, o Senhor, Nosso Deus,
é o Único Senhor"
Preocupado e perturbado, resolvi buscar
por mim mesmo a verdade sobre o Deus a quem eu professava servir. Essa
busca tomou-se penosa à minha paz mental. Jack me disse que as
Escrituras se explicam por si mesmas. Assim, comecei a comparar passagem
com passagem, orando durante todo o tempo para que o Deus de meus pais
me concedesse compreensão.
Eu conhecia bem a principal doutrina de
meu povo: "Ouve, Israel, o Senhor [YHWH], nosso Deus, é o único [echad]
Senhor." Deut. 6:4. Com freqüência, repetíamos esse verso das
Escrituras para enfatizar que críamos num único Ser divino.
Fiquei impressionado quando Jack explicou
como o adjetivo hebraico echad foi usado nas Escrituras. Ele me
assegurou que os cristãos também entendem Shema como referindo-se
à unidade da Divindade.
Descobri que echad foi
inicialmente usado no relato da Criação: "Houve tarde e manhã, o
primeiro [echad] dia." Gên. 1:5. Ali, percebi
duas entidades de tempo que,
quando juntas, são anunciadas como "um dia". Também li acerca do
casamento: "Por isso deixa o homem pai e mãe, e se une à sua mulher,
tomando-se os dois uma [echad] só carne." Gên. 2:24. Aí
vemos homem e mulher declarados
como uma unidade (echad), quando são realmente duas pessoas
distintas e separadas que formam uma unidade. Em que sentido,
então, podem ser chamados de uma unidade? Há uma unidade em natureza,
propósito e cooperação, trabalhando juntos como casal para manter sua
vida familiar.
Mas não são unidade no sentido de fusão num só ser humano
e em personalidade.
Enquanto pensava nesses textos, não pude
deixar de observar que, em cada caso,
a palavra hebraica echad
era empregada para designar mais de uma coisa. As duas partes do dia -
tarde e manhã - eram um dia. O homem e sua esposa eram chamados
de uma carne, embora, em realidade, fossem duas pessoas.
Poderia ser, ponderava eu, que echad por vezes designasse uma
unidade composta, e não meramente uma unidade absoluta?
Descobri que existia uma palavra hebraica
usada para salientar a individualidade. Deus disse a Abraão: "Toma teu
filho, teu único [yachid] filho, Isaque, a quem amas." Gên. 22:2.
Aqui, pensava eu, certamente está uma
unidade absoluta, pois há apenas um filho da promessa, Isaque. Moisés
não escreveu: "Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único [yachid]
Senhor" - isto e, uma só pessoa ou indivíduo. Realmente não. Ele
escreveu: "O Senhor, nosso Deus, é único [echad]." Será que
Moisés quis sugerir uma unidade de seres divinos ou pessoas? Eu estava
perplexo.
Ler os escritos de meu próprio povo apenas aumentou minha preocupação e
interesse em saber a verdade. Na obra do rabino Moisés ben Maimon, mais
conhecido como Maimônides, encontrei:
"Creio com perfeita fé que o Criador, bendito seja Seu nome, é uma
Unidade, e que não há nenhuma unidade semelhante à dEle, e que Ele só é
nosso Deus, que era e que há de ser.
"Ouve, 6 Israel, YHWH, Elohenu, YHWH, é um. Esses três são um. Como
podem três nomes serem um?... Os três modos, todavia, formam uma
Unidade."3
Se echad sugere a unidade da Pessoa
divina, como Jack cria, então, pensava eu comigo, as Escrituras devem
fornecer alguma evidência da pluralidade da Divindade. Decidi ler a
sagrada Torá mais cuidadosamente. Talvez pudesse encontrar a resposta.
Fiquei surpreso com a primeira declaração
das Escrituras: "No princípio criou Deus [Elohim] os céus e a
Terra." Gên. 1:1.0 termo hebraico Elohim, eu entendia, é a forma
plural de Eloah. Moisés poderia ter escrito YHWH ou Eloah,
ambos termos singulares, mas redigiu Elohim bara, Deus (plural)
criou (singular) - nem singular nem duplo em sua forma, mas plural.
Implicaria essa forma plural numa divindade consistente em uma só Pessoa
divina na criação do mundo? O rei Salomão não pensava assim, pois
descobri sua conhecida declaração: "Lembra-te do teu Criador nos dias da
tua mocidade" (Ecles. 12:1), que literalmente quer dizer: "Lembra-te dos
teus Criadores [Bore aka] nos dias da tua mocidade."
Enquanto prosseguia pesquisando a Torá,
notei que às vezes os pronomes pessoais usados com referência a Deus
também estavam no plural, e assim foram usados no contexto para implicar
mais de uma pessoa da Divindade. Eis algumas declarações bíblicas que
encontrei:
"Também disse Deus: Façamos o homem
à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança." Gên. 1:26. Após a queda do
homem, Deus disse: "Eis que o homem se tomou como um de Nós,
conhecedor do bem e do mal." Cap. 3:22. E novamente, na experiência da
edificação da Torre de Babel, falou Deus: "Vinde, desçamos e
confundamos sua linguagem." Cap. 11:7.
Pensei: Com quem Deus está falando nessas
passagens? Pois dizer "façamos o homem à Nossa imagem", indica que Ele
estava falando com alguém que devia ser Seu igual, isto é, com outro Ser
divino. Foi difícil fugir da conclusão de que essas passagens das
Escrituras implicam numa pluralidade de pessoas em um verdadeiro Deus, a
despeito dos argumentos contrários sustentados.
Jack chamava a Jesus de o Filho de Deus, mas eu não sabia se minhas
Escrituras realmente diziam ter Deus um Filho. Então li em Provérbios
algo surpreendente: "Quem subiu ao Céu, e desceu? Quem encerrou os
ventos em seus punhos? Quem amarrou as águas na sua roupa? Quem
estabeleceu todas as extremidades da Terra? Qual é o Seu nome, e qual
é o nome de Seu Filho? Se é que o sabes?" Cap. 30:4.
Uma torrente de luz inundou minha mente
enquanto em oração continuava a ler a Palavra Sagrada. Meu coração
transbordava de alegria e assombro. Agora eu podia compreender melhor
por que o Criador dissera: "Façamos o homem à Nossa
imagem, conforme à Nossa semelhança." Gên. 1:26.
Nossas discussões sobre vários tópicos de
interesse espiritual continuavam durante as horas de almoço. Nessas
ocasiões minha mente era conduzida a examinar a questão do pecado. Como
ele entrou em nosso mundo e qual a solução divina para ele? Pude
perceber que nossos primeiros pais não foram deixados sem uma prova de
caráter, e que Deus havia concedido a ambos e à humanidade o poder da
escolha. Seu fracasso em obedecer às Suas instruções levou-os à expulsão
de seu edênico lar, e mergulhou a raça humana na corrupção do pecado e
na morte.
Antes de repreender a
Adão e Eva, Deus declarou ao adversário qual era a promessa à raça
caída. Ele disse: "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua
descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe
ferirás o calcanhar," Gên. 3:15. -- Extraído do livro Em Busca do
Messias, impresso pela Casa Publicadora Brasileira em 1998, págs.
10-16.
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